Analistas dizem
que falhas do governo podem 'quebrar' negócios. Veja relatos de empresários que
tiveram dificuldades
Pelo menos 72%
dos pequenos negócios na Paraíba encontraram dificuldades para conseguir ter
acesso a benefícios e linhas de financiamento anunciados pelo governo federal
para combater os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19. Os dados foram
divulgados nesta terça-feira (19) e fazem parte de um levantamento feito pelo
Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Segundo a
pesquisa, a ampliação dos impactos econômicos da crise provocada pelo novo
coronavírus tem levado um número maior de donos de pequenas empresas, que estão
sem poder abrir as portas e com faturamento em queda, a buscar empréstimos para
manter o negócio.
A pesquisa foi feita entre 30 de abril e 5 de maio e, no Brasil todo, ouviu 10.384 microempreendedores individuais (MEI) e donos de micro e pequenas empresas. Na Paraíba, pelo menos 89,6% dos negócios tiveram diminuição no faturamento mensal por causa da crise.
Bar e restaurante de Rayan Lins, no Centro Histórico de João Pessoa, antes das medidas restritivas contra a Covid-19 - Foto: Thercles Silva/Divulgação/Arquivo
Rayan Lins é
dono de um bar que também funciona como casa de shows no Centro Histórico de
João Pessoa e registrado como Empresário Individual (EI). O negócio dele sentiu
os efeitos da crise após os decretos determinando fechamento dos
estabelecimentos e para se adaptar, teve que ampliar a modalidade de entrega à
domicílio.
Há 15 dias o
empresário tenta conseguir um empréstimo por meio da linha de crédito
emergencial feita em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), mas esbarra na burocracia.
“Eu preenchi as
informações do meu negócio no site do banco e lá deveria mostrar se tinha
alguma linha de crédito, banco ou empresa de crédito que oferece o serviço de
empréstimo aqui na Paraíba. Não apareceu nada para mim”, conta Rayan.
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Rayan Lins - Foto: Marcelo Rodrigues/Divulgação |
O empreendedor também buscou alternativas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que também têm opções disponíveis no site.
“No Banco do
Brasil eu cheguei a conversar com um gerente, mas ele disse que a linha de
crédito era para empresas com faturamento a partir de R$ 300 mil. Eu
questionei, pois os empréstimos deveriam ajudar os pequenos empreendedores. Ele
ficou de me passar novidades, mas até agora nada. Eles anunciam o crédito, mas
não chega para a gente”, diz.
Pela Caixa
Econômica Federal, Rayan tentou o empréstimo pelo site e também por telefone.
Foram feitas várias solicitações e preenchimento de formulários, mas ele não
conseguiu resposta do banco até a segunda-feira (18)
“Na prática,
para os pequenos e microempresários, estas medidas não funcionam. Pelo que vi,
só vale para quem já tem um porte médio e alguma segurança financeira”, diz o
empresário.
O G1 questionou
Banco do Brasil, Caixa e BNDES sobre as dificuldades na concessão desses
créditos, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Especialistas avaliam problema
Para Paulo Gala,
diretor-geral da Fator Administração de Recursos e professor da Fundação
Getulio Vargas (FGV), falta uma atuação mais forte do BNDES no socorro aos
pequenos empresários e até mesmo microempreendedores.
“Acho que está
muito tímido ainda o que o governo tem feito em relação à pandemia. Ao me ver,
o BNDES está completamente parado, e é uma ferramenta poderosíssima que poderia
ser usada. Eles anunciaram algumas medidas, mas ainda é muito pouco perto do
poder de fogo do orçamento do BNDES”, avalia Gala.
Para empresários
e analistas, é preciso facilitar o acesso às linhas de crédito emergenciais e
também oferecer mais empréstimos custeados pelo Tesouro Nacional, de modo que
os agentes financeiros fiquem menos restritivos na análise e concessão de
financiamentos.
"Poderiam
criar uma medida provisória ou alguma coisa articulando o BNDES e o Banco
Central para dar a garantia das linhas de empréstimos de forma que o
microempresário fosse até o banco e conseguisse esse recurso", diz
Honorato, que sugere ainda linhas de crédito direto, sem intermediários, para
micro e pequenas empresas e MEIs.
Empréstimos podem prejudicar negócios
Conforme
pesquisa do Sebrae, na Paraíba, 3,2% dos empresários afirmaram que o
faturamento permaneceu igual e 1,1% declarou que seu faturamento havia, na
verdade, aumentado, em média 20%. A analista do Germana Espínola, do Sebrae
Paraíba, diz que durante este momento, é crescente o número de empresários em
busca de financiamento para gerenciar melhor os negócios, mas para evitar que a
empresa afunde ainda mais em dívidas, é preciso analisar a necessidade do
empréstimo.
“Eles devem
perceber que eles precisam analisar a saúde financeira de sua atividade e
verificar a real necessidade desse crédito. Outro fator importante para terem
acesso ao crédito é mostrar ao gerente de relacionamento do banco que vocês
possuem conta todo o planejamento para aplicação desses recursos nas suas
atividades. Qual a necessidade desse capital de giro ou qual a necessidade para
compra de equipamentos?", disse.
Quem pesou a
decisão sobre fazer ou não o empréstimo foi Haula Chaaban, que é dona de um
restaurante de comida árabe em João Pessoa. Ela ficou sabendo das linhas de
crédito para empresários por meio de uma notícia, mas não quis se arriscar.
Haula vendia
comidas árabes em foodparks da capital paraibana quando, em janeiro, decidiu
reunir economias para alugar e reformar um ponto no bairro do Bessa. A
inauguração aconteceu no dia 10 de março, uma semana antes de começarem as
medidas de restrição social com fechamento do comércio.
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Restaurante árabe foi inaugurado uma semana antes de começarem as medidas restritivas - Foto: Haula Chaaban/Arquivo |
“Sem dinheiro de reserva e sem poder vender presencialmente, dispensei as meninas que trabalhavam comigo, tanto por essa falta de dinheiro quanto porque eu pensei na saúde e no deslocamento delas. As vendas presenciais correspondem a 80% do meu faturamento”, disse.
Sendo
responsável pelas compras de materiais, produção e vendas, Haula recorreu aos
cupons de consumo, ‘vouchers’, que o cliente compra agora com desconto, mas
consome quando o restaurante reabrir. Porém, a microempreendedora relatou que a
adesão foi baixa e precisou desistir da iniciativa.
"A adesão
foi muito baixa, eu precisava de R$ 5 mil, consegui arrecadar pouco mais de R$
1 mil. Precisei da ajuda do meu irmão pra arcar com as contas desse mês",
conta Haula. A empresária tinha parado com o delivery durante a quarentena, mas
decidiu retornar para poder manter o negócio. Agora ela toma conta sozinha do
restaurante.
“Eles [os
bancos] têm muita exigências para nós e as garantias que pedem são altíssimas.
Não quero ficar em dívida com banco com tudo isso acontecendo, por isso não
quis pedir. Vou tocando meu negócio do jeito que estou fazendo e vamos ver no
que vai dar. Eu não sei o dia de amanhã. Se tudo der errado no futuro, imagina
o problema que vai ser dever a uma instituição bancária?”, avalia.
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